quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

brincando com a lua

Esconde-se lua, se esconde
Você pensa que não te enxergo
Até faço de conta para agradá-la
Mas te vejo, e você se esconde
Aparece quando finjo que não te olho
Lua brinca brincalhona
Puxando a nuvem que não se importa
Lua fingidora
Tira a roupa atrás da nuvem
E volta se fazendo passar por nua
Lua brincalhona
Vai se esconde
Que eu finjo que não te vejo
Assim a noite te corteja
E eu a terei mais tempo
Brincando com meus olhos.

domingo, 11 de dezembro de 2011

uivos e ouvidos

Um cão uivava infausto, espalhando um chamado lamentoso de dar dó a qualquer um que o ouvisse. Os uivos se propagavam abocanhando o espaço, interrompendo o silêncio, atravessando janelas, chegando aos ouvidos, soando o dito popular: “um cão uivando anuncia a morte de alguém”. 
Foi o alarme para meus poros se esgazearem num balé de pelos arrepiados. Procurei uma superfície de madeira e bati três vezes, dissolvendo assim a possibilidade do dito acontecer.
Dito fora e arrepiados pelos aos seus poros, fui à mente e imaginação até o suposto lugar onde o cão estaria. Especulei vê-lo no quintal de uma casa, acorrentado, uivando a ausência de seus donos...Talvez dentro de um buraco, caído por descuido à própria sorte e desorientação. 
Triste imagem, para um uivo que poderia ser um ulular de felicidade por uma cadela no cio.  
E num pouso brusco, a mente aterrissou forçada pelo silencio que engolira os uivos.
Contudo, os uivos ausentes, não eram o suficiente para aquietar a imaginação. Se os uivos cessaram é porque os donos chegaram, acabando assim sua aflição!  A menos que a fêmea tenha dado ouvidos aos seus uivos e se deixado... E uma britadeira se interpôs estridente, interrompendo a divagada imaginação.
Só poderia ser um conserto de alguma companhia de serviços: light, net, gás, sky, telefone... 
E os ouvidos, agora sem os uivos, atentos aos demais ruídos, prosseguiram cúmplices da imaginação.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

pressa

A moça tinha pressa
Muita pressa
Tanta pressa
Que tomou um ônibus
E se engasgou
Moça apressada essa.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

senhora da calçada

A Senhora da calçada era figura folclórica no bairro. Conhecida e admirada por todos suscitava as mais variadas versões sobre sua origem, desde ser humilde com alma de nobre a uma nobre que, por opção, virara humilde. O fato é que ninguém sabia de sua verdadeira origem ou passado. E ela, a Senhora da Calçada, jamais revelara qualquer informação que desvendasse sua misteriosa história.O certo é que chamava a atenção pela sua maneira distinta de andar e falar e criativa de se vestir. Vestia andrajos exóticos e exclusivos criados e confeccionados por ela. Além de versáteis chapéus, acessório comum, não fosse o fato dos chapéus serem bacias, sua assinatura inconfundível.
Catadora de latas tinha acesso aos mais variados acervos de objetos e materiais para suas criações. Falava muito e sozinha, brigava consigo, fazendo de si, duas. Uma culta, a outra medíocre, uma sábia, a outra descabida.
- Cala a boca! Se taire! Chiudere! Opsluiten!
Esbravejava a Senhora da Calçada vestida de sacolas plásticas amarradas umas as outras, formando um vestido pontiagudo e disforme, caimento estranho e nela, caiam muito bem. Na cabeça, um chapéu bacia de metal do tamanho de um prato de sopa.
- Não suporto quando você fala, não suporto sua voz, o que você diz. O que você diz? Só diz gówno, cachu, merde... Orquestrava suas palavras com o som das latas sendo pisoteadas.
- Você sabia que a cerveja foi provavelmente a primeira bebida alcoólica que o ser humano criou? Não sabia!!!
- Sabia que a cevada já era conhecida pelos sumérios, egípcios e mesopotâmios antes de 4.000 a.c? Não sabia!!!! Você não sabe nada, nada e você não fala nada, porque não sabe nada! Então cala a boca! Menutup! Menutup!
- Cala a boca já morreu quem falou pro padre que não queria casar fui eu!! Pisou no coco! Pisou no coco!  Fedeu, cheirou, chorou de tanto fedor!
- Não pisei, desviei, não pisei!
- Pisou! Pisou! Eu vi! Não adianta disfarçar, tá fedendo! Seu cérebro fede, acha que sabe mais que eu e não sabe nada! Cérebro fedido de coisa velha, não vale o valor das latinhas que recolhe!
- Cala a boca! Se taire! Chiudere! Opsluiten!

- Cala a boca já morreu quem pintou a boca fui eu!!! Recolhe suas latinhas, conta suas moedinhas, come sua comidinha sua velhinha, puxa o saco sacolinha, conta lata, sua velhinha, junta moedas para sua comidinha. Mora na rua pobre velhinha, rainha da latinha amassadinha, com cheiro de cervejinha!
- Cala a boca! Se taire! Chiudere! Menutup! - Esbravecia a nobre senhora, enquanto arrastava o preto saco plástico abarrotado de latas de cerveja amassadas.
- Recolhe suas latinhas, conta moedinhas, come sua comidinha... Cantarolava a senhora pela calçada, em uma acintosa troca de farpas consigo mesma.

domingo, 20 de novembro de 2011

garota tautológica

A garota já subira para cima algumas vezes, já descera para baixo mais outras tantas, chamando a atenção em sua chegada de um fôlego só. Sentou-se ao meu lado, alisou o vestido seguindo os traços de suas pernas, enlaçou os cabelos longos na mão e os rodopiou escorrendo uma trança sem nós. Da sua chegada as suas ações de acomodar-se, descreveu todo o percurso que fizera para chegar a tempo de tomar aquela lotação.
- Esta vã demora demais!! Estava há  45minutos na parada. Perdi a que vinha antes anteriormente, e aí, já viu... Tudo por causa daquela cara de nada da minha chefa...
Concordei com a cabeça numa simpatia pé atrás. Virei o rosto amparando minha atenção para além da janela, na tentativa de não me envolver em sua conversa ou, pelo menos, envolver meus ouvidos, já que a garota não parava de falar.
 Abri a bolsa, apanhei o celular apelando para um álibi, enquanto sua voz ecoava por todo o coletivo.
- Eu vinha descendo as escadas para baixo quando minha chefa chamou. E quando ela chama tem que correr correndo, ela não suporta ficar esperando. Voltei e subi as escadas pra cima com um pé chutando o outro. Cheguei lá e ela tava com a maior cara de nada, me olhou e me disse: esqueci!! Com cara de nada! Aaai, fiquei furiosa, me retardou mais de 10 minutos de atraso! Mas deixa quieta, hoje eu vou à gafieira e tenho certeza absoluta que eu vou arrasar quando dançar com o Evaldo.
A garota parecia ter sido acometida por uma taquicardia oral. Manuseei o celular e simulei ligar levando ao ouvido, sem saber qual seria o próximo passo. Nessas alturas do trajeto, a lotada vã já interagia com a garota tautológica.
- Vocês têm que ver, lá na gafieira uma multidão de pessoas fica até amanhecer o dia.
Há anos atrás, eu namorava um vereador da Cidade. Eu chegava com ele de carrão placa branca e com motorista, fazia o maior sucesso! Hoje eu faço sucesso quando me enrosco a dançar com o Evaldo.
Nesse momento se formou um coro de passageiros ávidos em saber o nome do tal vereador. Fala o nome do safado, disse uma mulher próxima ao nosso banco.
- Ah , não! eu não vou falar por que ele tá  sendo procurado, roubou o dinheiro da merenda das crianças.  E eu não quero encrenca pro meu lado!
O celular continuava colado ao meu ouvido, e eu, muda, disfarçava o indisfarçável diante daquela platéia atenta e inquieta.
- Aí, gente! Já foi!  Essa é a última versão definitiva! Tô noutra, tô com o Evaldo !! E vou gritar bem alto pra que todos saibam: AMO MEU EVALDO!!! Somos duas metades iguais, tipo alma gêmea, sabe!
- Evaldo! Evaldo! Ovacionava a lotada condução, íntimos da garota tautológica.
- E aí, onde cê conheceu este herói?? Perguntou uma voz feminina no fundo da vã.
- Amiga! Conheci ele na loja que trabalho, ele era o acompanhante da D Lili, mãe da minha patroa. Quando olhei pra ele com meus olhos, tive uma surpresa inesperada. Eu tinha visto ele uma vez na gafieira, mas não tinha encarado ele de frente.  Ambos  os dois disfarçaram, mas  o cupido já tinha  flechado. Pouco tempo depois, D Lili faleceu, eu fui ao enterro e encontrei ele de novo e ai, amiga, a gente não deixou mais de conviver junto! Ele é o meu homem... e chega de detalhes minuciosos - concluiu, para a decepção  dos curiosos.
- Olha pessoal, tá chegando minha parada!  Vão lá na Gafieira!! Sexta,  sábado e domingo,  inclusive, vou dançar juntamente com o Evaldo. Eu não sei a quantia exata do ingresso porque eles fazem promoção! - falou, já se embrenhando entre as pessoas de pé, no estreito corredor do veículo.
- Ah! - exclamou, segurando o corrimão junto à porta de saída - é expressamente proibido se exceder muito na birita...
Disse e desceu, sugerindo pressa no andar.
Fechada a porta o burburinho de todos foi unânime: que furacão de mulher!
A mim, ficou a leve sensação de ter sido contaminada por aquela garota pleonasticamente tautológica e falante.



sábado, 12 de novembro de 2011

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

dona silvinha das tortas

Uma dona de casa foi encontrada morta esta manhã em sua casa, informou Zequinha, locutor da Rádio Paróquia. 
A notícia soou nos alto-falantes da praça do pequeno vilarejo, alardeando os moradores.
D. Silvinha das Tortas, como era conhecida por todos, morreu em pé, junto a pia molhada, pés descalços sobre um tapetinho de fuxico feito por ela, segurando o liquidificador cheio de pequenos pedaços de frutas coloridas, casando o macho e fêmea das tomadas, recebendo o choque eterno que a levou.
Foi descoberta pela vizinha, alertada pelos condoídos latidos dos cães órfãos, junto ao corpo hirto e em pé de sua dona.
D Silvinha das tortas foi carregada em uma maca coberta por um lençol branco, saliente na altura de sua mão esticada e agora livre do liquidificante.
Os vizinhos, que acompanharam a despedida do corpo através do pomar de cheiro adocicado e frutas de muitas geléias, passaram a chamá-la a partir daquele dia de Das tortas que morreu de pé.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

simples assim

Ludmilla estacionou o carro em uma vaga que mentalizara desde que saio de casa. Este exercício era infalível.   
Orgulhosa de si apanhou sua bolsa de grife e fechos exagerados, contornando o casaco de marca renomada em seu antebraço. Apontou seus pés para fora do carro, vestidos em sapatos de etiqueta famosa, elevados em  saltos finos e alongados. Fechou a porta, torcendo o corpo com exagerada feminilidade, quase clichê, quase perua, quase...ah! deixa pra lá! jogando o cabelo de alongamento definitivo para deleite do espaço que o acolheu.
Às suas costas, um rapaz de aparência duvidosa entre uma cor ou outra ou talvez sem banho, entoa com voz de malandro macho:
- Aí Madame! São cinco real! 
Ludmilla  arrebitou o queixo, alargou os dentes, engrossou a língua, e disse num único cuspe:
- Vai chamar urubu de minha loira! Quem achou a vaga fui eu!
E saiu, rebolando o vestido de tecido leve, gingando o salto sobre as pedras portuguesas da calçada, deixando para trás, um murcho malandro macho, macho da vida.

sábado, 1 de outubro de 2011

o buraco a bola e a menina

O buraco estava aberto
A menina vinha andando
A bola corria pelo declive da calçada
O buraco engoliu a bola
A bola tapou a boca do buraco
A menina continuou andando
O buraco e a bola
Deram calçada a menina.
Que passou
Sem dar bola
Para a boca aberta do buraco.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

domingo, 25 de setembro de 2011

Palmas pra que te quero

Só pode ser claque, o relógio registra 6min e 24s333435....de palmas, muitas palmas, uma hipérbole de palmas, nenhuma palma agüentaria palmar tanto. O que tanto aplaudem!?...são palmas inesgotáveis, vibrantes, palmas de total satisfação e alegria, contentamento, reconhecimento, palmas e mais palmas, quantas palmas para tantas mãos palmas. Com urros de alegria, vivas, pedem bis. São tantas palmas, urros, vivas que mesmo que o sujeito das palmas quisesse não poderia dar seu bis.
Já passaram 8min e 12s353433...
Pararam...
Que alívio.
Queria estar lá para saber a quem tanto aplaudiam. 
Seja quem for, as palmas me fizeram muito bem, me dei.