domingo, 20 de novembro de 2011

garota tautológica

A garota já subira para cima algumas vezes, já descera para baixo mais outras tantas, chamando a atenção em sua chegada de um fôlego só. Sentou-se ao meu lado, alisou o vestido seguindo os traços de suas pernas, enlaçou os cabelos longos na mão e os rodopiou escorrendo uma trança sem nós. Da sua chegada as suas ações de acomodar-se, descreveu todo o percurso que fizera para chegar a tempo de tomar aquela lotação.
- Esta vã demora demais!! Estava há  45minutos na parada. Perdi a que vinha antes anteriormente, e aí, já viu... Tudo por causa daquela cara de nada da minha chefa...
Concordei com a cabeça numa simpatia pé atrás. Virei o rosto amparando minha atenção para além da janela, na tentativa de não me envolver em sua conversa ou, pelo menos, envolver meus ouvidos, já que a garota não parava de falar.
 Abri a bolsa, apanhei o celular apelando para um álibi, enquanto sua voz ecoava por todo o coletivo.
- Eu vinha descendo as escadas para baixo quando minha chefa chamou. E quando ela chama tem que correr correndo, ela não suporta ficar esperando. Voltei e subi as escadas pra cima com um pé chutando o outro. Cheguei lá e ela tava com a maior cara de nada, me olhou e me disse: esqueci!! Com cara de nada! Aaai, fiquei furiosa, me retardou mais de 10 minutos de atraso! Mas deixa quieta, hoje eu vou à gafieira e tenho certeza absoluta que eu vou arrasar quando dançar com o Evaldo.
A garota parecia ter sido acometida por uma taquicardia oral. Manuseei o celular e simulei ligar levando ao ouvido, sem saber qual seria o próximo passo. Nessas alturas do trajeto, a lotada vã já interagia com a garota tautológica.
- Vocês têm que ver, lá na gafieira uma multidão de pessoas fica até amanhecer o dia.
Há anos atrás, eu namorava um vereador da Cidade. Eu chegava com ele de carrão placa branca e com motorista, fazia o maior sucesso! Hoje eu faço sucesso quando me enrosco a dançar com o Evaldo.
Nesse momento se formou um coro de passageiros ávidos em saber o nome do tal vereador. Fala o nome do safado, disse uma mulher próxima ao nosso banco.
- Ah , não! eu não vou falar por que ele tá  sendo procurado, roubou o dinheiro da merenda das crianças.  E eu não quero encrenca pro meu lado!
O celular continuava colado ao meu ouvido, e eu, muda, disfarçava o indisfarçável diante daquela platéia atenta e inquieta.
- Aí, gente! Já foi!  Essa é a última versão definitiva! Tô noutra, tô com o Evaldo !! E vou gritar bem alto pra que todos saibam: AMO MEU EVALDO!!! Somos duas metades iguais, tipo alma gêmea, sabe!
- Evaldo! Evaldo! Ovacionava a lotada condução, íntimos da garota tautológica.
- E aí, onde cê conheceu este herói?? Perguntou uma voz feminina no fundo da vã.
- Amiga! Conheci ele na loja que trabalho, ele era o acompanhante da D Lili, mãe da minha patroa. Quando olhei pra ele com meus olhos, tive uma surpresa inesperada. Eu tinha visto ele uma vez na gafieira, mas não tinha encarado ele de frente.  Ambos  os dois disfarçaram, mas  o cupido já tinha  flechado. Pouco tempo depois, D Lili faleceu, eu fui ao enterro e encontrei ele de novo e ai, amiga, a gente não deixou mais de conviver junto! Ele é o meu homem... e chega de detalhes minuciosos - concluiu, para a decepção  dos curiosos.
- Olha pessoal, tá chegando minha parada!  Vão lá na Gafieira!! Sexta,  sábado e domingo,  inclusive, vou dançar juntamente com o Evaldo. Eu não sei a quantia exata do ingresso porque eles fazem promoção! - falou, já se embrenhando entre as pessoas de pé, no estreito corredor do veículo.
- Ah! - exclamou, segurando o corrimão junto à porta de saída - é expressamente proibido se exceder muito na birita...
Disse e desceu, sugerindo pressa no andar.
Fechada a porta o burburinho de todos foi unânime: que furacão de mulher!
A mim, ficou a leve sensação de ter sido contaminada por aquela garota pleonasticamente tautológica e falante.



Nenhum comentário:

Postar um comentário