segunda-feira, 28 de novembro de 2011

senhora da calçada

A Senhora da calçada era figura folclórica no bairro. Conhecida e admirada por todos suscitava as mais variadas versões sobre sua origem, desde ser humilde com alma de nobre a uma nobre que, por opção, virara humilde. O fato é que ninguém sabia de sua verdadeira origem ou passado. E ela, a Senhora da Calçada, jamais revelara qualquer informação que desvendasse sua misteriosa história.O certo é que chamava a atenção pela sua maneira distinta de andar e falar e criativa de se vestir. Vestia andrajos exóticos e exclusivos criados e confeccionados por ela. Além de versáteis chapéus, acessório comum, não fosse o fato dos chapéus serem bacias, sua assinatura inconfundível.
Catadora de latas tinha acesso aos mais variados acervos de objetos e materiais para suas criações. Falava muito e sozinha, brigava consigo, fazendo de si, duas. Uma culta, a outra medíocre, uma sábia, a outra descabida.
- Cala a boca! Se taire! Chiudere! Opsluiten!
Esbravejava a Senhora da Calçada vestida de sacolas plásticas amarradas umas as outras, formando um vestido pontiagudo e disforme, caimento estranho e nela, caiam muito bem. Na cabeça, um chapéu bacia de metal do tamanho de um prato de sopa.
- Não suporto quando você fala, não suporto sua voz, o que você diz. O que você diz? Só diz gówno, cachu, merde... Orquestrava suas palavras com o som das latas sendo pisoteadas.
- Você sabia que a cerveja foi provavelmente a primeira bebida alcoólica que o ser humano criou? Não sabia!!!
- Sabia que a cevada já era conhecida pelos sumérios, egípcios e mesopotâmios antes de 4.000 a.c? Não sabia!!!! Você não sabe nada, nada e você não fala nada, porque não sabe nada! Então cala a boca! Menutup! Menutup!
- Cala a boca já morreu quem falou pro padre que não queria casar fui eu!! Pisou no coco! Pisou no coco!  Fedeu, cheirou, chorou de tanto fedor!
- Não pisei, desviei, não pisei!
- Pisou! Pisou! Eu vi! Não adianta disfarçar, tá fedendo! Seu cérebro fede, acha que sabe mais que eu e não sabe nada! Cérebro fedido de coisa velha, não vale o valor das latinhas que recolhe!
- Cala a boca! Se taire! Chiudere! Opsluiten!

- Cala a boca já morreu quem pintou a boca fui eu!!! Recolhe suas latinhas, conta suas moedinhas, come sua comidinha sua velhinha, puxa o saco sacolinha, conta lata, sua velhinha, junta moedas para sua comidinha. Mora na rua pobre velhinha, rainha da latinha amassadinha, com cheiro de cervejinha!
- Cala a boca! Se taire! Chiudere! Menutup! - Esbravecia a nobre senhora, enquanto arrastava o preto saco plástico abarrotado de latas de cerveja amassadas.
- Recolhe suas latinhas, conta moedinhas, come sua comidinha... Cantarolava a senhora pela calçada, em uma acintosa troca de farpas consigo mesma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário